Guerra Fria
Algumas coisas nos exigem tempo de compreensão. Eu que estou mais habituada a mim mesma, a sondar meus pensamentos e sentimentos com maior frequência sei disso, e por isso agora, escrevo.
Eu estou te esquecendo. E não foi ontem, nem é de hoje, mas uma construção de dias, anos! E isso me veio devagar, quase imperceptível e sorrateiramente, pois estou e estive tão acostumada a desejar você e a fantasiar uma vida a teu lado, que não pude perceber o movimento do esquecimento, este que quase não deixou sinais captáveis pela minha consciência para eu poder racionalizar a respeito. Havia apenas a angústia e a tristeza que repetidamente passaram a fazer morada em mim, mas mesmo diante do tumulto provocado por eles, eu ainda não conseguia entender o que estaria de fato acontecendo comigo (ou não queria saber mesmo).
Apesar da angústia e da tristeza já terem sido habitadas por mim antes em relação a você, dessa vez, eu não me dava conta do que (já) estava acontecendo há tempos, porém, sem saber que sabia.
Não, eu ainda não o esqueci, mas sei que o caminho para isso está muito próximo, tão perto que já posso sentir a minha própria vida ocupando lugares antes habitados só por você. Não se esquece alguém de uma só vez, é um processo, pois não sabemos nos separar de outra pessoa sem que isso ocorra por etapas, uma vez em que ao nos separarmos de alguém, é de nós mesmos que também nos separamos. O luto a ser feito sobre isso exige um tempo que não é medido pelo relógio.
As vezes me pego pensando em ti só para não ter de lidar com o vazio de não querer mais pensar em você. Vê-lo desaparecer de meus pensamentos não é algo da qual estou acostumada. E te reinvento só pra não ter de enfrentar a sua não lembrança. Como fantasiar o invisível? Como captar o que já não existe mais? Como aceitar o vazio?
Sim, é verdade que o amor acaba, mas a gente não se dá conta de quando tudo começa a acabar. E você, começou a acabar em mim. Eu tive dificuldades em lidar com aquilo que eu desconhecia, e numa tentativa equivocada tentei resgatar você, tentei colocá-lo de volta em meu coração, tentei amá-lo como nunca o amei ou como nunca fui amada por você, mas eu já nem sei mais quem está por trás disso, se essa de hoje, ou se aquela de ontem. E tão logo percebo que essa confusão faz-se clara quando me dou conta de que você eu desconheço completamente, mas, eu sei quem sou, e esta de hoje, está sim esquecendo-o, dia após dia. Eis uma realidade inapreensível, mas contornada agora com palavras.
Não há volta. Como ressuscitar algo que já iniciou o seu processo de morte sem nenhum movimento oposto a este fim?
Tão logo percebo-me diante desse processo,e reconheço que um dia a menos sem você, é um dia a mais comigo mesma. E eu nunca pensei que lhe diria isso, assim como nunca imaginei dizer estas palavras a mim mesma. E não é fácil porque grande parte da minha vida eu lutei para estar contigo ao mesmo tempo em que desejava esquecê-lo. Eu sabia que esses dois lados duelavam entre si sem haver sinais de trégua. Havia uma guerra fria acontecendo em mim.
Existem espaços demais sem você habitando em mim. E é preciso reaprender o que fazer com todos eles. Eu ainda não sei, mas aprenderei.
Estou perdendo-o de novo, mas dessa vez para ganhar de volta o caminho a mim mesma. É estranho e não sei bem o que virá, mas pela primeira vez em muitos anos posso sofrer em paz. Estou em queda para um novo nascimento que modificará tudo o que eu já aprendi sobre mim mesma. Todos os anos construídos de fantasias desmoronam diante de meus olhos, porém, isso não me entristece, mas permite-me atravessar ao outro lado que desconheço. E eu sei, que esse será um daqueles momentos raros pelas quais justifica-se a vida inteira.
Simony Thomazini
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