Últimos Olhares




Carrego comigo uma vastidão de últimos olhares. A começar pelos meus, que por tantas vezes me olham no espelho desconfiados e temerosos das perguntas que exigem uma coragem que muitas vezes não tenho. Olhares que me despem, olhares que me vestem, olhares nesse vai e vem da minha vida.

Não me lembro como começou, mas o que sei é que esses 'últimos olhares' estavam aqui comigo, soltos na memória...

Há uma propulsão em procurar o culpado, e eu sempre encontrava um discurso totalmente lúcido e plausível para não ser a responsável. O problema é que todos ao meu redor acreditavam, menos eu.

Numa prateleira ornamentada com flores e luz neon da minha memória, estavam lá, eles, meus "últimos olhares". 

É como se o fato deles insistissem e portanto, persistissem, fossem para me avisar do mal que estaria por vir em continuar num ad infinitum não enfrentado-os.

O último olhar que me lembro trouxe-me ao meu derradeiro. Todas as forças usadas em evitar o erro, violar a minha proteção ou em evitar qualquer outra coisa cederam e eu caí. A queda parecia-me o fim. Mergulhei numa dor que eu nunca havia experimentado antes. Tive uma overdose de sentimentos juntos e misturados ao meu próprio sangue. Provei assustada o meu próprio veneno.  Era de mim que jorrava a verdade. Era eu minha própria ruína. Senti na pele o meu pior, a perda, a cruel e tão evitada perda sobre o que eu achava que sabia sobre mim mesma.

Tomada pela dor, pela vertigem que me assombrava, eu busquei dentro, respostas para o que vinha acontecendo-me aqui fora. Algo precisava ser feito, algo em mim, não mais dizia ou susurrava, mas, gritava, urrava em letras garrafais e em vermelho escarlate de todos os espelhos em que me via: PARE! 

Foi só assim que parei. Foi só assim que a estante com luz neon olhou para mim e eu olhei para ela. Foram noites longas. Foram dias, anos... O cansaço, a dor, as lágrimas, a vitimização, a culpa, a perda, a responsabilização, a melhora, a vida, de novo.

Atravessei o deserto de mim mesma e paguei muito caro por isso. Há sempre algo ou alguém que nos traz a vida de uma forma diferente. Há sempre uma morte em vida que nos traz de volta a nós mesmos. Há sempre um "último olhar" esperando para ser novamente olhado, com calma, com coragem, com o saber que é da ordem de um desaprender, porque foi só assim, com os olhos desavisados e desconhecidos de tudo o que sabia sobre mim, que pude chegar até o fatal abismo de mim mesma.

Simony Thomazini


"Se alguém por mim perguntar
Diga que só vou voltar
Quando eu me encontrar".

*Imagem retirada do Tumbrl

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